Além do abrigo: o papel transformador das famílias acolhedoras na vida de crianças e adolescentes

Além do abrigo: o papel transformador das famílias acolhedoras na vida de crianças e adolescentes

(Foto: Canva)

Além do abrigo: o papel transformador das famílias acolhedoras na vida de crianças e adolescentes


Apenas 6,2% das crianças e adolescentes com medidas protetivas no Brasil estão em acolhimento familiar, apesar de o serviço ser prioritário no ECA. No Dia Mundial do Acolhimento Familiar, especialistas e exemplos reais destacam a importância e os benefícios desse modelo.

O serviço de Famílias Acolhedoras é um pilar fundamental para a proteção de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, que necessitam ser temporariamente afastados de suas famílias de origem. Apesar de estar previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e ser considerado o destino prioritário para esses jovens, o programa ainda é pouco conhecido e subutilizado no Brasil. Atualmente, apenas 2.124 crianças e adolescentes (6,2%) estão em acolhimento familiar, enquanto a vasta maioria (93,8%) permanece em instituições como abrigos.

Neste Dia Mundial do Acolhimento Familiar, celebrado em 31 de maio, a conselheira Renata Gil, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ressalta a importância de conscientizar a população sobre o tema. “O acolhimento familiar salva vidas”, afirma.

“Não é uma adoção, então não implica assumir todos os poderes e deveres familiares, mas traz uma dose de comprometimento com a infância, com a vida dessa criança que pode fazer com que ela se torne um adulto saudável. Essa é a ideia”, explica Gil, uma das responsáveis pela política da infância e juventude no país.

A meta do CNJ, em parceria com juízes e grupos da infância, é ambiciosa: até 2027, 25% das crianças e adolescentes acolhidos no país deverão estar em famílias acolhedoras. Embora o Brasil ainda esteja distante desse objetivo, o serviço tem apresentado um crescimento notável nos últimos anos.

Dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) mostram que, em 2013, apenas 23 novas famílias se cadastraram. Em 2024, esse número saltou para 1.098, totalizando 3.649 famílias ativas em 153 programas em todo o país.

Acolhimento Familiar Não É Adoção: Entenda as Diferenças

O acolhimento ocorre quando crianças e adolescentes de até 18 anos incompletos são afastados de sua família de origem devido a situações de violência, entrega voluntária ou ausência de rede de apoio familiar. Esse afastamento pode ser determinado pelo Conselho Tutelar ou pelo Judiciário.

O acolhimento familiar é um serviço integrante do Sistema Único de Assistência Social (Suas). Ele se diferencia do acolhimento institucional porque, em vez de serem encaminhados a abrigos, as crianças e adolescentes são recebidos por famílias voluntárias, de forma temporária, por um período de até 18 meses, que pode ser estendido em casos excepcionais.

Quem pode ser uma Família Acolhedora?

As famílias interessadas devem se cadastrar em programas municipais ou estaduais e passar por formação e acompanhamento. São aceitas todas as configurações familiares, incluindo adultos solteiros. No entanto, é fundamental que:

  • Sejam maiores de 18 anos.
  • Não tenham intenção de adotar, nem estejam no cadastro de adoção.
  • Tenham disponibilidade afetiva, emocional e de tempo.
  • Possuam habilidade e condições de saúde para cuidar de uma criança ou adolescente.
  • Não tenham antecedentes criminais.
  • Todos os moradores da residência concordem com a participação no programa.

Após o período de acolhimento, o objetivo primordial é a reintegração da criança ou adolescente à família de origem. A adoção é considerada apenas como último recurso, e as famílias acolhedoras não recebem qualquer tipo de prioridade nesse processo.

Exemplos de Sucesso e Benefícios do Acolhimento Familiar

O Rio de Janeiro é um exemplo de sucesso no acolhimento familiar, com um serviço pioneiro que existe desde 1996. Segundo Flávia Medeiros, coordenadora do Serviço Família Acolhedora na cidade, o município já atingiu a meta nacional do CNJ, com 25% das crianças e adolescentes em famílias acolhedoras.

Flávia destaca a principal vantagem do modelo: “A preferência pelo acolhimento familiar acontece justamente por conta da possibilidade de cuidado individualizado. Essa é uma das vantagens. Ao invés de estar num ambiente coletivo, essa criança ou esse adolescente vai estar em uma casa, o que, por exemplo, diminui o estigma na escola. Ao invés de ele dizer que mora num abrigo, ele fala que mora numa casa. Tem um trabalho da escola, ele tem uma casa para levar os amigos”.

A experiência de Andreia Amaral, trabalhadora autônoma de 53 anos, ilustra o impacto transformador do serviço. Andreia está no cadastro desde 2006 e já acolheu 122 crianças e adolescentes no Rio de Janeiro. Inspirada por uma reportagem e com vasta experiência com crianças, ela se tornou uma referência, inspirando sua mãe, irmã, sobrinha e amigas a também se tornarem famílias acolhedoras.

“O que eu posso dizer é que é uma coisa muito prazerosa de se fazer. Muito mesmo. E eu não me vejo sem fazer isso”, afirma Andreia. Ela enfatiza que o acolhimento vai além do cuidado, criando vínculos que muitas vezes perduram. Andreia compreende seu papel como uma ajuda para que as famílias de origem se reestruturem e possam ter seus filhos de volta. “É como se a gente estivesse dando uma ajuda para aquela pessoa se encontrar de novo”, diz.

Um dos frutos desse trabalho é Maravilha Sebastião, hoje com 19 anos, estudante de engenharia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Maravilha chegou ao Brasil sozinha, vinda de Luanda, Angola, aos 16 anos, e encontrou em Andreia um porto seguro. “Eu chamo de minha tia Andreia. É uma relação baseada no respeito.

Eu a vejo como tia e ela me vê como sobrinha”, conta Maravilha. “O programa é muito importante para um adolescente ou para uma criança, quando não pode ficar com a família de origem. A gente conhece o abrigo. O abrigo não é um mar de rosas. A família acolhedora se torna um ponto de segurança, de referência”, destaca a jovem.

A advogada Alessandra Queiroz, de 50 anos, e sua família também são famílias acolhedoras desde 2021. Ela e o marido decidiram participar, e seu filho, na época com 6 anos, foi envolvido na decisão. “Além de dar esse afeto todo e trazer para nós uma experiência rica de valores diferentes, hoje eu olho para ele […] e vejo uma criança calma, uma criança maravilhosa. Eu percebo que ele se tornou mais generoso ainda, mais amoroso, preocupado, companheiro”, relata Alessandra sobre o impacto no filho.

Mesmo criando fortes laços afetivos, Alessandra mantém a clareza sobre o propósito do acolhimento. “A gente cria vínculo, a gente se apega, mas ao mesmo tempo se desapega. Se amanhã ela tiver que voltar para mãe, vai voltar, eu acompanho. Porque o principal personagem é a criança”, pondera.

Além do abrigo: o papel transformador das famílias acolhedoras na vida de crianças e adolescentes
(Foto: Canva)

Como Se Cadastrar e o Futuro do Acolhimento Familiar no Brasil

Pessoas interessadas em se tornar famílias acolhedoras devem buscar informações diretamente nas prefeituras de seus municípios. No Rio de Janeiro, por exemplo, é possível fazer um pré-cadastro online ou presencialmente nas Coordenadorias de Assistência Social (CAS).

A secretária municipal de Assistência Social do Rio, Martha Rocha, reforça o convite: “É muito importante que a gente aumente o banco de cadastrados, para dar mais opções de acolhimento a crianças e adolescentes desamparados. O cadastro é simples, e qualquer configuração de família é aceita, inclusive adultos solteiros. As famílias são livres para indicar sua disponibilidade ao acolhimento e podem prestar o serviço enquanto tiverem condições e interesse”.

Para ampliar o alcance do serviço em nível nacional, a conselheira Renata Gil informa que o cadastro das famílias acolhedoras será integrado ao Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) ainda neste semestre. Essa plataforma do CNJ reúne e monitora os processos de adoção e acolhimento de crianças e adolescentes no Brasil. “A nossa ideia é que as pessoas possam, dentro do Sistema Nacional de Adoção, também solicitar, em um ícone separado, o acolhimento familiar”, explica.

Para Renata Gil, o investimento na infância e adolescência é fundamental para o futuro do país. “As crianças e adolescentes abandonadas agora serão as crianças que afetivamente serão adultos com problemas. Então, uma sociedade que preza primeiro pela dignidade do ser humano tem que ter atenção para suas crianças, e que preza por um futuro promissor também precisa investir na primeira infância”, defende.

Você sabia da existência do programa Famílias Acolhedoras? Consideraria fazer parte dessa rede de apoio?

Com informações de Agência Brasil


Alfredo R. Martins Jr. é jornalista e a voz principal do Jornal O Paranaense. Formado em Comunicação Social com especializações em Marketing e Gestão de Comunicação, possui mais de 17 anos de experiência na análise do cenário paranaense. Sua missão é traduzir a complexidade da política, economia e cultura do estado em informação clara, acessível e relevante para o leitor.
Alfredo R. Martins Jr.

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