(Foto: Reutes)
Ecos da ditadura: com estado de sítio e Internet cortada, Panamá vive sua pior crise em 30 anos
Governo reprime protestos contra reforma da previdência com violência e corte de internet; analista aponta que crise tem raízes em disputa por mineração e no futuro do Canal.
O Panamá vive uma de suas crises mais graves das últimas décadas, marcada por uma onda de protestos populares que foi recebida com forte repressão estatal. O governo do presidente José Raúl Mulino decretou, no último dia 20, um “estado de urgência” — similar a um estado de sítio — na província de Bocas del Toro, suspendendo direitos constitucionais.
A medida, que terminou neste domingo (29), deixou um saldo de pelo menos dois mortos (incluindo uma criança), cerca de 370 detidos e 600 feridos. Durante o período, o governo também cortou o sinal de internet e telefonia da província, uma ação denunciada por organizações de direitos humanos como autoritária.
A faísca: a polêmica reforma da previdência
A atual onda de protestos foi detonada pela aprovação da Lei 462, uma reforma da previdência que, segundo os sindicatos, reduz as pensões e aumenta a contribuição dos trabalhadores. Em resposta, sindicatos de professores e trabalhadores da construção civil convocaram greves por tempo indeterminado, fechando rodovias e paralisando setores da economia.
O governo classifica os manifestantes como “vândalos”, argumenta que a reforma é necessária para a sustentabilidade do país e tem respondido com repressão, incluindo o bloqueio de contas bancárias de sindicatos e a prisão de lideranças.

As raízes da crise: mineração, pobreza e o canal
Para especialistas, a revolta atual é o ápice de uma crise que vem se acumulando. Segundo o sociólogo Werner Vásquez von Schoettler, da Flacso, a paralisação de uma mina de cobre gigante em 2023, após protestos ambientais, deixou um rombo nas contas do governo, que agora tenta cobri-lo com a reforma da previdência.
Some-se a isso o aumento do custo de vida, da pobreza e a incerteza sobre o futuro do Canal do Panamá para se ter a “convulsão social” que o país vive hoje. “Não havia visto uma reação das forças militares dessa maneira contra a população”, afirma o sociólogo, comparando a violência à da última ditadura do país.