(Foto: Ralf Vetterle/Pixabay)
Emissões zero é possível para o Brasil até 2040 com mudanças essenciais, afirma cientista Carlos Nobre
Cientista de renome internacional vê urgência de transição para matriz energética 100% limpa, agricultura neutra em carbono e restauração em larga escala para o país alcançar a meta e evitar consequências graves das mudanças climáticas, como o ponto de não retorno da Amazônia.
O Brasil tem potencial para se tornar um líder global na luta contra as mudanças climáticas, podendo zerar suas emissões de gases de efeito estufa até 2040. Essa é a afirmação do renomado cientista Carlos Nobre, feita durante a palestra de abertura do segundo dia da 5ª Conferência Nacional do Meio Ambiente. Baseado em dados de um estudo ainda em andamento, Nobre detalhou os caminhos necessários para o país alcançar essa meta ambiciosa.
Caminhos para uma economia de baixo carbono
Segundo Carlos Nobre, para que o Brasil atinja a neutralidade de emissões até 2040, são essenciais transições significativas em setores-chave. Ele apontou a necessidade de uma matriz energética 100% limpa, uma agricultura neutra em carbono, a obtenção de emissões negativas a partir do uso adequado da terra e a restauração em grande escala de biomas.
O climatologista se mostrou otimista quanto ao potencial do país. “O Brasil tem total potencial para ter 100% de energia limpa e renovável e, até 2040, com agricultura muito mais neutra em carbono, grande restauração florestal”, disse Nobre. Ele complementou, citando o estudo: “Nosso estudo aponta que podemos remover até 600 milhões de toneladas de CO2 por ano, a partir de 2040, restaurando os biomas”.
Nobre destacou que as medidas para zerar emissões não se limitam ao enfrentamento da urgência climática, mas também podem garantir mais qualidade de vida às populações, reduzindo, por exemplo, as mortes globais causadas pela poluição urbana derivada da queima de combustíveis fósseis, que chegam a seis ou sete milhões de pessoas por ano no mundo.
Em 2022, o Brasil era o quinto maior emissor do planeta, com 11 toneladas de gases do efeito estufa por pessoa ao ano, comparável à China (10,5 t/pessoa) e abaixo dos Estados Unidos (16,5 t/pessoa), mas muito acima da Índia (2 t/pessoa). Nobre reconhece que o Brasil vem melhorando, mas alerta que, mesmo com políticas como a meta de zerar o desmatamento até 2030, o país ainda terá emissões significativas se mantiver o uso de energia fóssil e agropecuária de alta emissão.
Consequências graves sem ações enfáticas
Carlos Nobre foi enfático ao apresentar as consequências sérias que o planeta enfrentará sem medidas mais contundentes para combater a crise climática. Entre elas, destacam-se o branqueamento de corais, que ameaça 25% da biodiversidade oceânica, a intensificação do aquecimento global, com indicação de desaparecimento de 99% das espécies se o planeta ultrapassar 2 graus acima do período industrial, e o perigoso descongelamento de terras com água sólida (permafrost), responsáveis pela retenção de grandes quantidades de metano e gás carbônico. “Se passar de 2 graus, nós vamos liberar mais de 200 bilhões de toneladas de metano e gás carbônico. O metano é um gás muito poderoso do efeito estufa, 30 vezes mais forte que o gás carbônico”, explicou.

O ponto de não retorno e o futuro dos biomas brasileiros
No Brasil, a situação da Amazônia é particularmente crítica. Carlos Nobre alertou que o risco de a floresta atingir um ponto de não retorno é cada vez maior. Ele aponta que o sul da Amazônia já registra um período de seca quatro a cinco semanas mais longo, com ar mais seco e grande aumento da mortalidade das árvores. Em uma região que abrange partes do Pará e do Mato Grosso, a floresta já se tornou um ponto de emissão de carbono, deixando de cumprir seu papel de captura desses gases. A Amazônia, que na década de 90 removia mais de 1,5 bilhão de toneladas de CO2, está se aproximando perigosamente desse ponto de não retorno.
As secas estão mais severas e frequentes, com fenômenos intensos como o El Niño e o Atlântico mais quente contribuindo para a seca na Amazônia. Nobre citou que antes havia uma seca severa a cada 20 anos, e agora ocorreram em 2005, 2010, 2015 e 2016, além da seca mais forte da história em 2023 e 2024.
Tudo isso impacta diretamente nos rios voadores, essenciais para levar chuvas a grande parte do país. A floresta em territórios indígenas da Amazônia brasileira é capaz de explicar a presença de até 30% dos rios voadores, sendo que pelo menos 40% da chuva no Cerrado e no Sul do Brasil e 15% no Sudeste dependem deles.
Carlos Nobre apresentou um cenário potencial drástico para o futuro do país: se o desmatamento na Amazônia chegar entre 20% e 25% e o aquecimento global atingir 2,5ºC, o Brasil poderá perder pelo menos 50% da floresta, talvez até 70%. A Amazônia se transformaria em um ecossistema totalmente degradado, parecido com uma savana tropical, mas sem a rica biodiversidade do Cerrado. O cientista também ressaltou que o Cerrado e a Caatinga estão muito próximos do ponto de não retorno, o que implica mais ondas de calor, riscos para a saúde humana, e maior incidência de extremos climáticos e pandemias.
Carlos Nobre concluiu apontando para a necessidade de adaptação das cidades, a diminuição das desigualdades socioeconômicas e a construção de um legado sustentável para as futuras gerações, reforçando a urgência da ação climática para garantir um futuro viável para o Brasil e o planeta.